O local da cidade que viu aparecer artistas como Khrystal e bandas como Plutão Já Foi Planeta, passando por Dusouto, Mad Dogs, Sangueblues e Uskaravelho; que viu surgir a Banda Independente da Ribeira e o nascimento de dois festivais de música importantes (MADA e Dosol). Que recebeu shows de lendas como Luiz Melodia, Cássia Eller, Los Hermanos, J.J. Jackson e Marky Ramone, dentre outros, hoje amarga um quase sumiço de público, fechamento de algumas casas (Centro Cultural Dosol encerrou as atividades em março) e esvaziamento de programação. A Rua Chile, símbolo da cena alternativa de Natal, talvez esteja vivendo seu momento mais difícil em seu perfil cultural, desde a tentativa de revitalização da Ribeira iniciada em 1996 na gestão do prefeito Aldo Tinoco.
O VIVER conversou com alguns empresários que possuem casas de show na Rua Chile para entender a realidade atual do lugar. A reportagem também fez uma visita à rua, para ver qual era o estado da área. A fachada como a do Galpão de nº 33, uma empresa de transporte marítimo foi restaurada em fevereiro deste ano, é algo raro. O estado geral dos prédios, embora precise melhorar significativamente, não é péssimo. Outro imóvel recentemente restaurado foi a casa onde marcou época o Bar das Bandeiras, representante do período anterior ao processo de revitalização. Mas o local está fechado. Indo mais no centroda Rua Chile, o casarão mais vistoso da via, local onde estava instalada a Escola de Dança do Teatro Alberto Maranhão (EDTAM) está em obras com prazo de conclusão para o final deste ano. O projeto é do Governo do Estado.
Também em obras está o prédio do Armazém Hall. A casa que já recebeu shows icônicos, como Marky Ramone no Festival Dosol de 2010, está em reforma e pode virar um igreja evangélica, segundo alguns trabalhadores da área. O locatário do imóvel, Johab Madruga, desconhece. Se algo do tipo está previsto, ele diz não ter sido informado pelo dono do prédio.
Johab está há um bom tempo sem realizar evento no espaço. Ele avalia como complicada a situação atual da Rua Chile. “O público caiu muito desde a ida do Festival Dosol para a Via Costeira. Aí, com menos gente fica mais arriscado trazer grandes shows. Sem grandes eventos o local vai ficando menos atrativo. E tem também a crise do mercado, que afetou de modo geral a cidade”, comenta o empresário, que nos últimos anos até tentou arranjar um investidor para dar uma movimentado no espaço. Johab está na Rua Chile desde 2007.
Antes de empreender na área ele trabalhava na casa de shows Monjardin, em Capim Macio. “Lembro que quando decidi ir pra Ribeira era porque já havia um ambiente legal ali. É a parte histórica da cidade. E se acreditava que o lugar poderia se tornar um complexo noturno de Natal. Com o tempo senti as dificuldades. No fim o investimento é mais por amor, pela história do bairro, do que pelo retorno financeiro”.
Quem também vive um momento complicado é Karol Pozadski, proprietária do Galpão 29, que teve tempos áureos antes como a casa noturna Blackout. Ela conta que passou um tempo distante da gestão do local, o que acabou por deixar a programação apenas sujeita ao interesse de produtores independentes, que foram aos poucos deslocando seus eventos para outros lugares. Mas a empresária afirma querer dar um gás novo no espaço. “Transformar o Galpão num pub, num clubber com associados. Já pedi para as estrelas, de repente, transformar a parte grande do galpão num teatro”, diz.
O Galpão 29 está e funcionamento na Rua Chile desde 2006. Segundo Karol, quando ela chegou havia maior integração entre as casas de show e bares, e uma “energia contagiante” que fazia da área underground atrativa para os jovens de bairros distantes. Hoje ela reconhece que uma parcela do público já se incomoda com a informalidade de outros tempos. “As pessoas querem segurança na porta, que o lugar aceite cartão. Querem profissionalismo”. Embora entenda essa demanda, a empresária vê com cautela. “A Rua Chile não morreu. Tem gente que ama o lugar do jeito que é. Queremos que o local seja capaz de receber o prefeito, mas é importante que a Ribeira seja de todo mundo”.
Armazém Hall e Galpão 29 são representante do que podemos chamar de 2ª fase da onda de revitalização da Rua Chile, uma fase que começou em 2005 e foi até a chegada do Ateliê Bar, em 2015. Por sua vez, o Ateliê pode ser apontado como terceira onda da Rua Chile. A casa de show injetou ânimo novo na área, serviu como palco para nomes recentes da música natalense aparecerem, mas agora amarga a evasão de público. Proprietário do espaço, André Maia lamenta essa fase complicada. “Deu um enfraquecida na Rua Chile. Só o Ateliê está abrindo com regularidade”, diz. Se antes a programação da casa não raro começava na quarta-feira e encerrava no domingo, hoje ela geralmente tem ficada restrita as baladas de sexta e sábado, mas com bom público, informa André. O empresário conta que por sempre ter sido um entusiasta da Ribeira, foi levado a abrir seu espaço na Rua Chile. Apesar das dificuldades, ele não desiste da área. “Cresci aqui. Minha mãe era bailarina do corpo de baile do TAM e meu avô paterno era capitão de navio. So acostumado a vir para a Ribeira desde criança”.
O projeto “Fachadas da Rua Chile” é a pedra fundamental da onda de revitalização do lugar. Executado pelo prefeito Aldo Tinoco, em 1996, o projeto, além da pintura de 45 fachadas de imóveis da Rua Chile, trocou o calçamento e iluminou o trecho vai da rua Silva Jardim até a Tavares de Lira. Com esse serviço a via ficou toda colorida. Então começaram a chegar os empresários de casas de show e bares. Surgia o Blackout, B-52, A Lata, Downtown, Armazém do Cais, Bronx – fora as ruas adjacentes, onde tinham o Bimbos e o Casarão. A Rua Chile tornava-se o epicentro da música.
Autor do projeto das fachadas, o arquiteto Haroldo Maranhão lembra bem de como a Rua Chile era antes dessa iniciativa. “Antes à noite ali só tinha o Porto Bar, um bordel que ficava na esquina; e o Bar das Bandeiras, que recebia mais os trabalhadores do porto, marinheiros e alguns boêmios interessados na parte antiga da cidade”, conta. “Com a requalificação da rua e a abertura de novas casas, se viu surgir um movimento cultural. Pela primeira vez se trabalhava um conjunto arquitetônica na cidade. O natalense passou a olhar para aquele lugar. Ele ficou valorizado como ponto histórico e cultural”.
No entanto, não houve continuidade por parte dos gestores seguinte. “Faltou uma política consistente. Um suporte governamental. Faltou requalificar a Ribeira como um lugar bom para se morar e para trabalhar. Até foi feito um projeto de incentivos para se empreender na área. Foi sancionado, mas caducou”.