“O servo voltou e relatou isso ao seu senhor. Então o dono da casa irou-se e ordenou ao seu servo: ‘Vá rapidamente para as ruas e os becos da cidade e traga os pobres, os aleijados, os cegos e os mancos’. Disse o servo: ‘O que o senhor ordenou foi feito, e ainda há lugar’. “Então o senhor disse ao servo: ‘Vá pelos caminhos e valados e obrigue-os a entrar, para que a minha casa fique cheia. Lucas 14.21-23.
Por Silvio Menezes
Não há mais crianças nas ruas. É uma triste realidade da nação. Em tempos idos brincar na rua não era uma opção, e sim o locus da diversão diária de milhares de crianças. Mas eis que o temor das ruas foi aos poucos tomando conta das famílias brasileiras. O crime, a droga, o medo, as tragédias diárias de milhares de jovens e a ruas estão lá, desertas.
Agora a ocupação se dá na demonstração de forças de uma polarização desprovida de sentido. A favor ou contra, o bem contra o mal. O vermelho ou o verde amarelo. Em 2013 até que valeu a pena. Eram uns poucos que reivindicavam a justiça das passagens de ônibus mais barata e, em pouco dias, já um sentimento popular e legítimo dizia que estávamos numa crise sem precedentes e mais uma vez engolfados por um mar de corrupção; não restava outra saída senão tomar as ruas e avenidas e contestar os milhões da construção das arenas e dos hospitais falidos e escolas sucateadas.
As ruas sempre foram um pouco do jeito de ser do Brasil. É nelas que movimentos ocorrem buscando visibilidade e expressividade. É nas ruas que o movimento das Direitas Já eclodiu com força avassaladora. Foi nas ruas que o brasileiro chorou o que tinha de chorar ou cantou de alegria quando de vitórias naquele sentimento nacional de orgulho de alguma coisa que catalisasse e promovesse a catarse coletiva, da Copa do mundo ao adeus a Senna.
Mas as ruas há muito perderam a inocência. De quando nossas avós podiam conversar até mais tarde e o convívio de vizinhos não estava restrito aos muros do condomínio de casas. Hoje, se vai às ruas na urgência de uma travessia perigosa. Não há mais contato, porque plugados à tecnologia achamos estranho os transeuntes. E o outro sempre é uma ameaça. A ruas de hoje são tomadas por veículos. Os pedestres, para muitos um encalço que obriga os motoristas apressados a parar nas faixas e, isto, deixa-os contrariados. Ruas de nomes em memória de quem já se foi. De gente que existiu mas poucos sabem quem são. Essas ruas, mesmo em datas como o Natal, já perderam o brilho de outrora. As luzes que deveriam iluminar os homens perdem-se nas trevas do individualismo. De uma sociedade egocêntrica, rebelde e que exclui o outro, porque se valoriza o ter. São essas ruas que se constituem o desafio diário da igreja cristã. Ruas onde estão os moradores de rua e as crianças ainda na pobreza extrema. Ruas onde perambulam os desvalidos, ruas em que os anônimos vivem seus dramas, ruas em que o necessitado e o doente conhecem a sarjeta porque é lá onde esperam um pouco de pão da caridade negada e a dignidade humana ferida. É nessas ruas onde o Evangelho deve chegar. Nos templos, o conforto abriga-nos das intempéries e da fome. Mas eles estão lá, nos valados, nos becos sem saída da vida. É lá onde o Cristo disse que fôssemos buscá-los. Ele que ocupou a via crucis e nas ruas estreitas da cidade de Jerusalém nos deixou o maior exemplo de humildade e compaixão.